A história abaixo é real. Fiz esses dois textos com um propósito de relatar a mesma notícia em estilo pirâmide invertida e jornalismo literário. No primeiro, utilizei a fórmula clássica do jornalismo atual. No segundo, optei pelo jornalismo literário. É possível, obviamente, perceber mais detalhes no texto 2. Além disso, com ele foi possível despertar a emoção da história. Espero que gostem e comentem!
Gritos de crianças salvam família de assalto
Um assalto só não chegou ao fim na noite deste domingo em São Paulo por conta dos gritos de duas crianças. O fato ocorreu no bairro do Jardim Peri, zona norte da capital por volta das 20h.
Ladrões entraram na casa de uma advogada momentos após ela ter saído. No local estavam apenas os filhos da mulher: uma menina de 12 e um menino de 8 anos. No momento da entrada dos bandidos os dois estavam no andar de cima da casa e, com os barulhos, desceram para ver o que estava acontecendo.
Quando repararam a presença dos criminosos, os dois subiram novamente gritando e foram em direção à sacada. Tentaram pular para a casa do vizinho e, com isso, chamaram a atenção da vizinhança, que chamou a polícia.
Os bandidos se assustaram e fugiram, antes da chegada dos policiais. Incrivelmente nada foi roubado e, apesar do susto, todos passam bem. Inclusive as crianças.
Gritos de salvação
Já passava das 19h e o início do programa Fantástico, da Rede Globo, indicava mais um fim de domingo. Era hora de requentar a macarronada do almoço, esvaziar a garrafa de refrigerante, conferir os gols da rodada, assistir uma reportagem-denúncia, revoltar-se, rir com um quadro de humor e dormir. Afinal, o dia seguinte era a temida segunda-feira, inimiga de tudo o que há de bom neste singelo universo.
Noêmia se preparava para sair. Tinha de ir ao supermercado, rezando para que este ainda estivesse aberto e, assim, pudesse comprar as cartolinas que o filho, Bruno, revelou serem necessárias para a aula de artes de segunda-feira.
O menino de oito anos era mestre em avisar a mãe na última hora. Mãe que é mãe sempre faz milagre e Noêmia já nem colocava o pijama nos domingos à noite. Esperava por algum imprevisto para correr à loja mais próxima.
Naquele dia, arrumou-se e foi em direção ao Hipermercado Andorinha, 15 minutos de sua casa. Avisou o caçula e também sua outra filha, Natália, de 12 anos. Trancou o portão, deixou um leve beijo na testa de cada um, despediu-se e saiu com o carro. Natália estava falando ao telefone com a amiga de escola e irritou-se com o carinho da mãe, que fingiu não ter visto a grosseria.
Após 5 minutos sem a mãe em casa, as crianças estavam cada uma em seus quartos. Natália ainda falava ao telefone com a mesma amiga, contando sobre o fim de semana de passeios no shopping próximo à sua casa.
Bruno estava vendo televisão. Assistia seu programa de humor predileto, a contragosto da mãe que achava o conteúdo impróprio. De repente, ouvir um barulho na porta e correu para desligar o telefone. “Mamãe chegou”, pensou o garoto.
Calçou os chinelos e foi em direção a escada chamando pela mãe. Ao pisar no primeiro degrau percebeu a movimentação estranha no andar de baixo e travou na escada. “Quem está aí...?”, perguntou o garoto, praticamente inaudível. “Cala a boca moleque!”, retrucou o desconhecido.
Nesse momento, seu Luís, o vizinho da casa ao lado, havia terminado de jantar. Caminhava em direção à sacada para fumar seu rotineiro cigarro. “Um dia isso ainda vai te levar”, dizia a mulher. “Um dia todos iremos morrer”, retrucava o senhor de 62 anos.
Chegou na escada, retirou o maço de cigarro do bolso e observou a velha foto que estampava a caixa de cigarro. A caixa dessa vez trazia o aviso sobre a impotência sexual. “Pior do que está não fica!”, sorriu o senhor para, em seguida, acender o cigarro.
Bruno voltou correndo, em desespero e gritou a irmã. Foi a primeira reação que teve, praticamente não conseguia falar. Apenas chorava e gritava. “Socorro! Ladrão!”. A irmã percebeu o desespero do irmão e sabia que não se tratava de uma brincadeira infantil. Entraram no quarto dos pais, que dava acesso à sacada. Não queriam ficar, queriam sair de qualquer jeito.
“Cadê a chave? Fecha logo a porta!”, gritou o menino. “Estão na gaveta do banheiro, fica aqui, eu vou buscar”, respondeu Julia. “Não!!”, gritou Bruno. Tarde demais, Julia já havia saído. Voltou rápido, mas foi o tempo suficiente para encontrar o irmão ainda mais assustado e desesperado. Trancaram a porta e passaram a abrir a porta da sacada.
A essa altura, o barulho das crianças já chamava a atenção de Seu Luís. De onde estava não conseguia ver a sacada vizinha e por isso caminhou em direção ao deck da sacada. De início, achou que era alguma brincadeira de mau gosto.
Ao chegar ao deck, no entanto, conseguiu observar a casa vizinha. Viu as crianças, desesperadas, saindo do quarto dos pais. “Socorro!! Ladrão!”, gritava Bruno, o mais afoito.
Seu Luís então chamou as crianças e as ajudou a passar para a sacada em que estava. Primeiro foi Bruno, que não mais soltou o aposentado. Depois foi Julia que, se até então estava firme, passou a chorar compulsivamente assim que pisou na sacada vizinha.
Seu Luís não conseguiu ver, pois estava com as crianças, mas ouviu o barulho do portão e de pessoas correndo em retirada. Chamou a polícia na hora e logo avisou Noêmia, que voltou imediatamente, sem as cartolinas.
A advogada ainda chegou antes que a polícia e correu para abraçar os filhos, um pouco mais aliviados. Após verificar que as crianças estavam bem, agradeceu Seu Luís e esperou pela chegada da polícia, mesmo sabendo que os criminosos já não estavam mais na casa.
A polícia chegou, entrou na casa juntamente com a moradora e não achou nada. Por incrível que pareça, nada foi roubado. Talvez parte da inocência e do sossego de duas crianças, que terão de superar um trauma em sua própria casa.
A polícia iniciou as buscas aos bandidos (supõe-se que seja mais de um), mas ainda não encontrou ninguém. Noêmia prestou queixa no 39º DP e, depois, voltou à companhia dos filhos, que estavam com Seu Luís.